Cartografia das práticas espaciais, artísticas e subjetivas da comunidade queer em Belo Horizonte, nos últimos anos. E sua relação com a micropolítica e o afeto no espaço-público da cidade.
Cartografia das práticas espaciais, artísticas e subjetivas da comunidade queer em Belo Horizonte, nos últimos anos. E sua relação com a micropolítica e o afeto no espaço-público da cidade.
MICROPOLÍTICA, AFETO E COTIDIANO
Os afetos negativos são usados como políticas de dominação pois paralisam a sociedade e mantêm as pessoas anestesiadas
Favorecem uma postura cada vez mais egoísta e individualista das pessoas, dificultando também as iniciativas coletivas e propositivas, e aniquilando uma possível resistência. Entretanto, essa violência urbana é apenas a ponta de um iceberg que tem sua raiz no próprio sistema capitalista. Brígida Campbell afirma que
“existe muito mais violência nas cidades do que aquela gerada pelos crimes (ou pela polícia), pois muito mais violento do que os “criminosos” ou a polícia é o próprio sistema de produção capitalista, que massifica a economia, a cultura e os sistemas de controle (o que não deixa de ser um crime).” (CAMPBELL, 2015, p.226)
E ainda que
“Uma vida baseada no trabalho, na falta de tempo, na lógica do consumo e da produtividade, na competição, na corrupção... tudo isso é muito violento.” (CAMPBELL, 2015, p.226).
Entretanto, essa violência urbana é apenas a ponta de um iceberg que tem sua raiz no próprio sistema capitalista.

Obra: "Bolha", Marcello Nitsche, 1969, Bienal de São Paulo.
"Em 1969, 80% dos artistas recusaram-se a participar da Bienal, em protesto ao recém lançado Ato Institucional n.5 (AI-5). Assim, a 10ª edição recebeu o apelido de “Bienal do Boicote”. Outros artistas, no entanto, passaram a fazer sátiras e metáforas para seguir criando naquele momento. Foi o caso de Marcello Nitsche, que apresentou suas primeiras Bolhas: gigantescas esculturas infláveis que literalmente "pressionavam" contra as paredes as pessoas que estavam no espaço. Considerado um dos grandes nomes da arte pop nacional, Marcello Nitsche usava a ideia da sociedade do consumo, a publicidade e os quadrinhos para denunciar os problemas que o cercavam, e que se tornavam cada vez "maiores". Ele usou lonas de nylon para criar duas bolhas, uma vermelha e uma amarela, tendo esta última cerca de 30 metros de altura. Um exaustor industrial era responsável por enchê-las de ar e esvaziá-las, de modo que o público era surpreendido ora com um tecido inerte solto no chão, ora com um gigante incômodo, a ponto de devorar toda a sala. Sobre a ação, escreveu a crítica de arte Aracy Amaral: "Extraordinariamente provocante e terrivelmente grave, o trabalho [Bolha] de Nitsche assusta, no seu desenvolver inicial, o público que o rodeia como um organismo vivo e estranho a estender seu poder evolutivo pelo ambiente que passa a ocupar cada vez mais atemorizando os assistentes mais próximos, pressionando fisicamente o espectador. (...)" Disponível em: (@kuraarte)

Essa talvez seja a maior violência, a violência profunda, causa primaria das outras violências. Talvez o afeto e o amor sejam realmente os antídotos mais potentes contra essa violência, ao subverter as estruturas de dominação capitalista individualista. Estabelecendo vínculos, identidade, pertencimento, senso de coletividade. E se o afeto é o antídoto, a micropolítica pode ser um dos meios de aplicá-la. É onde podemos atuar, visto que a escala da macropolítica é distante e a do sistema capitalista mais ainda.
Obra: "Claro-escuro", 2016. Parte da Exposição "Lamento das Imagens" do artista chileno Alfredo Jaar, no Sesc Pompeia - SP. A obra é um letreiro escrito em neon verde como de propaganda. A frase que se lê é do sociólogo Antonio Gramsci: "O velho mundo está morrendo. O novo demora a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros".
"Assim como o movimento das águas, de forma cíclica também se movimentam as ocupações, sejam elas artísticas, políticas e, por que não, arquitetônicas. A área de convivência desta unidade, que por hora abrigou a mostra que se finda neste domingo, está em constante movimento. Ainda que sua concretude permaneça estática, diversos ciclos se iniciam e terminam no espaço fabril. Se Antonio Gramsci sugere um novo porvir na configuração político-social do mundo, suas palavras também se encaixam no microcosmo cultural que, também político e social, se instala e reinstala neste corpo-cimento que a própria Lina Bo Bardi moldava como sendo vivo. Aqui se encerra um novo ciclo para que um novo se instale e, assim, a completude das coisas tome forma. O registro foi feito pelas lentes de @gino.tadeu." Texto do Sesc Pompeia. Disponível em: (@sescpompeia)
E se o afeto é o antídoto, a micropolítica pode ser um dos meios de aplicá-la.

Obra: "Pedra e Ar", "Objetos Sensoriais", 1966, Lygia Clark. Imagem disponível em: Pedra e Ar | Acervo | Lygia Clark

Obra: "Estruturação do Self", "Método Terapêutico", 1976, Lygia Clark. Imagem disponível em: Estruturação do Self | Acervo | Lygia Clark