Cartografia das práticas espaciais, artísticas e subjetivas da comunidade queer em Belo Horizonte, nos últimos anos. E sua relação com a micropolítica e o afeto no espaço-público da cidade.
Cartografia das práticas espaciais, artísticas e subjetivas da comunidade queer em Belo Horizonte, nos últimos anos. E sua relação com a micropolítica e o afeto no espaço-público da cidade.
CIDADE-PRESSA
“no ritmo da cidade-pressa, entregamos o tempo-vida em troca de algo que nos endivida”
(HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.112)
O território e a paisagem das cidades são produto da atividade humana, das relações socioespaciais históricas e sobretudo marcado pela lógica capitalista.
Tudo nas cidades é tempo-espaço à venda, inclusive as pessoas, que absorvem essa competitividade e competem contra elas mesmas.
Obra: "Supercomplexo Metropolitano Expandido", Guerreiro do Divino Amor, 2018. Video Versão HD version (2018) 7'30''. Disponível em: (guerreirododivinoamor.com) "Terceiro capítulo do Atlas superficcional mundial, o Supercomplexo metropolitano expandido (São Paulo) é uma máquina superficcional de poder, sucesso e expansão. Ela se articula em torno de vários núcleos magnéticos superficcionais interligados por superdutos e supervórtices."
Essa é uma das dimensões primordiais que orienta os fluxos nas cidades grande contemporâneas. Cássio Hissa em entrevista a Brígida Campbell fala como a pressa invade o sujeito da cidade e neutraliza sua capacidade de reação, promove uma alienação e até mesmo uma banalidade do mal e da barbárie na sociedade.
“A vida das cidades se faz através da presença do mundo-mercado nos lugares, nas cidades. Estamos nos referindo a esse mundo-mercado que transfere a pressa e a competitividade para os territórios urbanos, para os sujeitos da cidade. Em termos bastante genéricos, o que se pode dizer é que quanto mais mundo — mundo-mercado — há nas cidades, contraditoriamente, menos presença de arte há na vida dos sujeitos. Há pressa e, certamente, muito mais pressa em vez de velocidade. Em consequência da supremacia da pressa em relação à lentidão e ao vagar, há menos estado de reflexão e pensamento, mais alienação, menos rebeldia e indignação, mais subordinação, menos indisciplina, menos diálogo e cidadania. Até poderíamos acrescentar que o estado de submissão do pensamento nos conduz, com rapidez, ao estado de alienação e, por analogia, ao pensamento de Hannah Arendt, ao estado de uma terrível normalidade que banaliza — e isenta — o mal e a barbárie em nossas sociedades.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.103)




Obra: "Perca-Tempo", Grupo Poro, 2010, Centro e Pampulha - Belo Horizonte - MG. Disponível em: Perca tempo — Poro
"Ação que consiste em abrir uma faixa nos cruzamentos, enquanto o sinal de trânsito está fechado. Ao mesmo tempo pessoas distribuem panfletos com a inscrição: “Perca tempo”. Há também uma banca de informações, na qual são distribuídos os panfletos intitulados “10 maneiras incríveis de perder tempo” e “+10 maneiras incríveis de perder tempo”. Todos os participantes da ação têm um bottom afixado na roupa, com os dizeres: “Perca tempo. Pergunte-me como.”"
Documentário “Poro – intervenções urbanas e ações efêmeras”
Disponível em: Documentário "Poro: intervenções urbanas e ações efêmeras". Arte/cidade
"Este documentário aborda as principais intervenções urbanas realizadas entre 2002 e 2009 pelo Poro. Além das imagens e registros, boa conversa sobre arte no espaço público e questões tangentes.
Produzido pela Rede Jovem de Cidadania em parceria com o Poro. Realização: Associação Imagem Comunitária."
Obra: "SuperRio SuperFicções", Guerreiro do Divino Amor, (2006-2016).
Vídeo 09'03''. Roteiro, direção, câmera, edição e animação: Guerreiro do Divino Amor; Presentação, revisão, figurino e maquiagem: Pahtchy; Mixagem: Dioclau Serrano. Disponível em: (guerreirododivinoamor.com)
"Segundo capítulo do Atlas superficcional Mundial, SuperRio é o gêmeo superficcional do Rio de janeiro; um ecossistema de Superficções que interferem na construção da cidade e do imaginário coletivo."
Ele vai por um caminho interessante, no qual afirma que a pressa das cidades e dos sujeitos da cidade estaria acabando com o ócio, com a lentidão, o vagar, o meditar, o refletir que seriam condições necessárias para a arte, a rebeldia, a indignação, o diálogo e a própria cidadania. Ele continua citando Lefebvre para falar sobre o vazio existencial que a pressa provoca ao abandonarmos a lentidão.
“Tal como pensava Henri Lefebvre ainda no início dos anos de 1960, deixamos de viver — ao abandonarmos a lentidão, o vagar, o pensar — e, no ritmo da cidade-pressa, entregamos o tempo-vida em troca de algo que nos endivida. Deixamos de aprender com o tempo que amadurece pensamentos. Como poderia dizer o pensador francês, a cidade moderna é um grande e barulhento movimento e, paradoxalmente, um grande deserto que, em grande medida, temos carregado em nós.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.112)
Brígida também nos alerta nesse sentido ao afirmar que
“A falta de tempo colabora para a produção generalizada do cansaço.” (CAMPBELL, 2015, p.98). E que “Essa agitação permanente, amplamente difundida e louvada, não gera o novo, mas apenas reproduz e acelera o que já existe” (CAMPBELL, 2015, p.99). “Essa velocidade nos impede de criar uma conexão significativa entre os acontecimentos. Nos tornamos assim, incapazes do silêncio, das pausas e da contemplação.” (CAMPBELL, 2015, p.99).
Brígida é enfática na crítica a velocidade, a pressa e a falta de tempo, que segundo ela, não gera o novo. Nesse aspecto discordo um pouco dessa visão totalmente contrária a velocidade, pois acredito que tanto a lentidão quanto a velocidade são fundamentais. Mas uma velocidade que não seja imposta pela sociedade do desempenho. Acredito que podemos criar o novo quando temos a possibilidade de atuar com liberdade e sem pressões. Acredito que também há muita beleza e muita potência criativa no caos das cidades, e que essa confluência de forças sobrepostas e conexões que a cidade proporciona pode promover conjugações e mutações criativas que talvez a lentidão e o vagar não poderiam proporcionar.
Cássio Hissa afirma ainda que não nos falta tempo, mas os valores que nos levariam ao significado da vida e que essa pressa seria sinal que nos falta alguma coisa.
“A pressa é um sinal expressivo de que nos falta algo. Entretanto, o que nos falta não é tempo, mas os valores que, perdidos, nos encaminhariam o significado da vida e, certamente, mais pensamento às nossas vidas, mais vagar, sensibilidade crítica e criativa, mais arte, mais contemplação.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.104)
E talvez ele esteja certo, o que nos falta, de maneira geral, não é tempo propriamente dito, mas uma organização melhor do tempo baseada em valores que tenham um objetivo, um propósito, uma trajetória bem definida.