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ARTE E ARQUITETURA COMO MEIO DE MEDIAÇÃO NA ESFERA SOCIAL

“A arte pode servir como uma arena, ou um meio de mediação na esfera pública, em que as tensões entre o poder e a política se manifestam.” (CAMPBELL, 2015, p.262)

A arquitetura, assim como a arte, precisa lidar com muitas outras questões que têm intercessão com sua prática, de modo que ambas se manifestam como meio de mediação na esfera pública.

A interdisciplinaridade é característica comum a arte e a arquitetura, e possibilita estabelecer pontes entre áreas do conhecimento distintas, assim como promover conexões entre conceitos de origens epistemológicas diversas.

 

Essa característica é qualidade essencial para a mediação social e pode ser explorada pelo arquiteto e o artista em diversas circunstâncias. Especialmente na prática profissional. E pode ser de grande relevância para aprendermos a habitar melhor o mundo, com responsabilidade com o coletivo, através do afeto.

Obra: "Contra feitiço", Luana Vitra, 2020. Concreto, ferro, tinta, mangueira, corda, fio e cabo de aço. Foto: Bruno Vilela. Disponível em: Luana Vitra.

"Fui convidada pelo @museudalinguaportuguesa para fazer uma obra para seu acervo de "objetos para toque", obras que mediam a experiência de pessoas cegas. O convite foi para criar algo em relação com a vida e obra da escritora Carolina Maria de Jesus.

Então fiz essa obra pra ela: contra feitiço

Um dos aspectos mais marcantes para mim no trajeto de vida de Carolina Maria de Jesus, é o fato de mesmo após ter vendido seus livros que a possibilitaram sair da favela e se mudar para uma casa de alvenaria, que era seu sonho, houve uma insistência em reafirmá-la como favelada, catadora de papel, um desejo colonial da branquitude em não acompanhar seu trânsito, movimentando um processo ativo de percebê-la e dar ao outro a percebê-la num lugar fixo. Sabemos que o adjetivo principal dado a Carolina é escritora, que era onde se firmava sua identidade e personalidade a partir da percepção e escolha da mesma. Catadora de papel e favelada foram os lugares para onde a estrutura social desigual e racista conduziu (e conduz) corpos como o dela e de muitos outros a habitar.


A obra que proponho como objeto tátil é um ponto de vista a partir do ascender ao sonho ou ao desejo, se situa na habitação do imaginado, na colheita que precede o arado e a semeadura de Carolina. A elaboração do objeto não ignora as agruras de sua biografia, fato esse que se afirma pela escolha da materialidade da obra, no entanto delineia a potência do sonho que junto a qualidade inquestionável de sua obra conduziram Carolina a habitar muito do que havia imaginado.

Essa obra é como o voo de quem sabe muito bem o chão, e assim, na alavanca gestada na flexão dos joelhos e no aterramento do pé que leva o corpo para ainda mais perto do chão, aprende a fabricar um salto que é fresta, que é contra feitiço da ginga entre o vento e a gravidade. Foi um presente esse convite a um mergulho na Carolina. Permaneço submersa."
Luana Vitra.

Essa outra característica da arte de ser ainda um pouco mais livre a experimentações que as demais áreas do conhecimento, garante a ela uma grande oportunidade para a criação e teste de novos parâmetros críticos que promovam, por exemplo, novas maneiras de habitar, de se relacionar enfim, de viver em comunhão.

Campbell afirma o papel da arte como mediação e sugere sua capacidade de criar novos parâmetros. Ela diz que

 

“A vida em rede abre uma série de camadas de inter-relação entre essas áreas e a arte, por sua vez, não se restringe a trabalhar com as questões estéticas, mas, pelo contrário, envolve-se em uma série de outras questões que são incorporadas às obras, como a sexualidade, a violência, a moradia e a natureza. Assim, a arte pode ser uma mediação entre os processos de subjetivação, criando novos parâmetros.” (CAMPBELL, 2015, p.262).

A mediação é ferramenta de imensa relevância para a atuação política da arte e da arquitetura.

E esses novos parâmetros constituem possibilidades de vida para o aqui e agora e horizontes prováveis para um futuro próximo. Campbell também escreve que a

 

 

“dimensão política da arte, em contato com diferentes dinâmicas sociais, tem um papel muito particular de criar espaços de discussão por meio de experiências críticas, lúdicas, irônicas e criativas. A arte empresta ao repertório do ativismo seu próprio repertório de símbolos, de ideias e de estratégias de expressão e comunicação, fazendo sua linguagem de intervenção entrar em diálogo (ou conflito) com o repertório da ação política.” (CAMPBELL, 2015, p.263).

Bourriaud fala que

 

“hoje a prática artística aparece como um campo fértil de experimentações sociais, como um espaço parcialmente poupado à uniformização dos comportamentos.” (BOURRIAUD,2009, p.13).

 

Essa outra característica da arte de ser ainda um pouco mais livre a experimentações que as demais áreas do conhecimento, garante a ela uma grande oportunidade para a criação e teste de novos parâmetros críticos que promovam, por exemplo, novas maneiras de habitar, de se relacionar enfim, de viver em comunhão. Vera Pallamin fala um pouco sobre isso ao afirmar que

 

“A presença da arte desdobra as dimensões simbólicas nos contextos em que atua, ao mesmo tempo em que nutre processos estético-políticos de subjetivação de artistas e de participantes, com inequívocos ganhos sociais e culturais. Considero esta ação e formação estético-política uma das dimensões mais importantes da produção artística, hoje.” (PALLAMIN apud CAMPBELL, 2015, p.58)

Em um mundo tão diverso, a mediação se figura fundamental até para dialogar e negociar com agentes que não temos relação ou que a relação é de conflito. Marisa Flórido aborda esse tema delicado quando afirma que

 

“É preciso passar pela prova dessa não relação com o que me excede, para que as relações se tornem possíveis. Para que um “nós” se enuncie e tenha lugar. Um “nós” como ficção, desvio, êxtase. Um “nós” indeterminado e em perpétuo entrelaçar. O horizonte em perpétua renegociação e fuga.” (FLÓRIDO apud CAMPBELL, 2015, p.174).

 

E completa afirmando que

 

“ou encaramos esse abismo e afirmamos os vários mundos e as várias humanidades, com suas muitas singularidades, com as diferenças que nos moldam, ou o fechamos com violência e abjeção. E ao fechar, ao colocá-lo sob a pressão do tamponamento, o que o abismo nos devolve (quando não olhamos para ele) são as figuras de ressentimento, intolerância e ódio.” (FLÓRIDO apud CAMPBELL, 2015, p.172).

 

Um alerta para a importância da capacidade de reconhecer a complexidade dos "outros" e estabelecer diálogo e negociação para se evitar intolerâncias e autoritarismos.

O Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas dos Açores (Acac), finalizado em 2014 na Ribeira Grande (São Miguel, Açores, Portugal), resulta de um concurso público cujo programa determinava a reabilitação de uma antiga fábrica de álcool e tabaco para a instalação de um centro de arte contemporânea. O projeto é dos arquitetos João Mendes Ribeiro, Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos.  Foto: José Campos.

Disponível em: A cidade e o palco. A arquitetura como mediação.

"é um exemplo de como um edifício público de média ou grande escala pode incluir a cidade como tema central de projeto, e não apenas como contexto. É também a ideia de uma cidade que se faz ao longo dos tempos, a partir da soma e sobreposição de edifícios. A pesar de se tratar de um projeto de reabilitação de um conjunto preexistente de edifícios, existia no interior do lote (antes da intervenção) um espaço considerável disponível para construção nova. Esse facto, aliado à necessidade de construção de edifícios novos para receber os conteúdos programáticos que não se adequavam às características da preexistência, permitiu a redefinição do espaço público interior de acordo com uma ideia muito forte de fazer “cidade dentro da cidade”. No interior do lote, as circulações e espaços exteriores foram desenhados com uma certa consciência urbana, procurando criar espaços muito diferenciados entre si. [...] A diluição entre o espaço público e o espaço interno dos edificios é acentuada pela possibilidade de expor peças de arte no exterior, numa reciprocidade entre o gesto de levar a cidade para dentro do centro de arte, mas também o de trazer a arte para o meio da cidade." João Mendes Ribeiro em

"A cidade e o palco. A arquitetura como mediação" Universidad de Coimbra, Portugal.

©  HORIZONTES IM/PROVÁVEIS  - EDUARDO GARCIA - 2022

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