Cartografia das práticas espaciais, artísticas e subjetivas da comunidade queer em Belo Horizonte, nos últimos anos. E sua relação com a micropolítica e o afeto no espaço-público da cidade.
Cartografia das práticas espaciais, artísticas e subjetivas da comunidade queer em Belo Horizonte, nos últimos anos. E sua relação com a micropolítica e o afeto no espaço-público da cidade.
TEMPO-PRESSA,
TEMPO-MERCADORIA
Na lógica capitalista neoliberal, tempo é dinheiro (tempo-mercadoria) e o espaço também é dinheiro (espaço-mercadoria).
“Trata-se de algo basilar no processo de acumulação capitalista em que a produção em série não apenas considera o tempo, mas toma, para si, o tempo como indispensável para a ampliação progressiva da produtividade.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.114).
Mas nessa lógica, as pessoas são, simultaneamente, trabalho-tempo à venda e consumidores de tempo e espaço. Essa lógica promove a velocidade do tempo nas cidades e configura esse estado de tempo-pressa que marca os sujeitos das grandes cidades contemporâneas. Bourriaud alerta nesse sentido ao afirmar que
“O sujeito ideal da sociedade dos figurantes estaria reduzido à condição de consumidor de tempo e de espaço, pois o que não pode ser comercializado está fadado a desaparecer. Em breve, as relações humanas não conseguirão se manter fora desses espaços mercantis” (BOURRIAUD,2009, p.12).
Essa condição de tempo-pressa distorce a própria noção de tempo ao transformar as pessoas em trabalho-tempo à venda.

"Latas de Sopa Campbell", Andy Warhol, 1962.
Imagem Disponível em: Andy Warhol - WikiArt.org
Mas nessa lógica, as pessoas são, simultaneamente, trabalho-tempo à venda e consumidores de tempo-espaço.
Cássio Hissa afirma que o tempo
“perde valor na produção da vida. Portanto, ao tempo são encaminhados valores que contradizem a própria ideia de tempo, pois tempo deveria ser sempre tempo para os sujeitos do mundo e, à medida que é tomado pelo capital, passa a ser tempo-mercadoria — enquanto os sujeitos passam a ser trabalho-tempo à venda.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.114-115).
E ao distorcer a noção de tempo, o tempo-pressa afeta nossa subjetividade à medida do quanto estamos submetidos a ele. Hissa aborda isso quando afirma que
“A lógica do tempo-mercadoria, portanto, afeta as nossas subjetividades à medida que deixamos nos afetar por esse tempo-pressa ou por esse tempo-mercado.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.115).

Obra: "A persistência da Memória", Salvador Dalí, 1931.
Imagem disponível em: A Persistência da Memória, 1931 - Salvador Dalí - WikiArt.org
Esse dano provocado na subjetividade individual e coletiva pela lógica tempo-mercadoria provoca uma desorientação do sujeito em relação a ele mesmo e sua relação com o mundo. Hissa vai nessa direção ao afirmar que
“O tempo-pressa — tempo-mercadoria — ocasiona certa incapacidade nossa de experimentação do mundo que, por sua vez, interfere incisivamente em nossa capacidade de pensar o mundo e a nós mesmos no contexto do espaço-mundo.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.115).
O sujeito não tem tempo para si mesmo, para se conhecer e muito menos para conhecer e pensar o mundo. Essa constante sensação de falta de tempo, provocada pela cidade-pressa, faz parte também das políticas de dominação, e sufocam as possibilidades de uma articulação popular profunda. Hissa alerta sobre esse processo de alienação que está em curso quando afirma, em tom quase de desabafo que
“Penso que há certa falta de arte em nós. Há escassez de pensamento e de reflexão. Há certo imobilismo social e um processo de alienação em curso. O estado de contemplação assume uma condição de quase incompatibilidade com o modo de vida próprio das sociedades modernas e contemporâneas.” (HISSA apud CAMPBELL, 2015, p.105)